17 setembro 2016

As coisas que não se esquecem


Miguel Ángel Ariza Rodríguez era membro da Associação dos Jovens Rebeldes com apenas 15 anos. Em 17 de maio de 1961 se incorporou à Campanha de Alfabetização. “Em minha casa se simpatizava com a Revolução. Já em 1961 eu fazia parte das Milícias Nacionais Revolucionárias e apareceu a convocatória para alfabetizar”.

“Há fatos que marcam um antes e um depois, não somente nas pessoas, mas também na vida de um país. A Campanha de Alfabetização foi um desses momentos na vida do país inteiro e na dos mais de 100 mil jovens como eu, que foram participar daquela epopeia”.

“Sem ânimo de exagerar eu lhe diria que não lembro que a Revolução tenha feito outra coisa tão grande em 50 anos. Naquela época não a percebíamos como uma façanha, mas como a coisa mais natural do mundo, como algo mais feito pela Revolução”.

Um ano muito difícil
Assim lembra Ariza Rodríguez o ano 1961 e argumentos não lhe faltam.

“É o ano em que foi nacionalizado o ensino, o da invasão pela Baía dos Porcos. É o momento em que os Estados Unidos rompem as relações que agora acabam de se restabelecer. Também, a partir desse país se incrementam os ataques, a queima de canaviais e escolas, o apoio aos bandos contrarrevolucionários internos e o assassinato de camponeses e professores. Em janeiro mataram Conrado Benítez e depois foram mais alguns”.

“Em meio de tudo aquilo 100 mil jovens deixaram suas casas, o conforto e tudo o que os rodeava, para irem embora longe, ninguém sabia onde, para combater o analfabetismo. Parece uma bobagem. Ne-nhum de nós se vê a si próprio como quem fez algo heroico ou marcantemente significativo; contudo, foi assim”.

A Revolução chegou a El CallejónA San Alberto, comunidade situada na atual província Las Tunas, foi parar o jovem alfabetizador. Ali ele permaneceu uns quatro meses. Depois, sua saúde começou a se deteriorar e ele foi transferido para El Indio, uma chácara avícola que estava em construção.

Apesar do treino prévio que tinha recebido em Varadero sobre a vida dos camponeses, as coisas que encontrou em ambos os povoados lhe pareciam de outro mundo.

“A Campanha de Alfabetização não somente foi a eliminação do analfabetismo, também foi o encontro de duas culturas: a minha — citadina, popular —, com um sistema de vida totalmente diferente que, também, tínhamos que modificar, com um aspecto de trabalhadores sociais sanitários”.

“Tínhamos que ver como melhorávamos as condições deles e construíamos uma latrina. Na casa onde fui dar as necessidades eram feitas em um canavial que circundava a moradia. As duas mulheres tomavam banho dentro do quarto em um recipiente que elas chamavam ‘platón’, era como uma bacia gigantesca”.

“O poço de onde atiravam a água não tinha parapeito. A água de tomar era de chuva, que adquiria uma cor marrom ao escorregar pelo teto de folhas de palmeira. Acumulava-se em uma tina grande, através de uma canal de zinco. Essa era a água que se bebia”.

“Eu nunca antes tinha visto uma vaca. A que conhecia era a que vinha na lata de leite condensado”.

Miguel Ángel não esquece o momento em que ele e Roberto Funes, o outro alfabetizador que o acompanhava, chegaram à comunidade em que iam ensinar.

“Quando chegamos à casa havia muitas pessoas, todos os que moravam pelas redondezas. Mal dissemos: Olá! as pessoas começaram a aplaudir”.

“Eu olhava para Funes e ele olhava para mim. Nenhum de nós sabia o que dizer e sentíamos uma emoção que nos apertava o peito. Então alguém dos que estava aí gritou: Apontem a data, que hoje a Revolução chegou a El Callejón! Não me esqueci nunca disso”.

E todos aprenderam...
O jovem da cidade — como se chama a si mesmo nosso entrevistado — conseguiu uma troca de culturas sem dor. Assim convenceu Benito, o homem da casa em que morou, em San Alberto, de construir um parapeito no poço. Também se identificou com a realidade e as necessidades das pessoas que o circundavam.

Aprendeu que os moradores “resolviam tudo com cozimentos”. Ainda que por pouco tempo, teve um quarto totalmente para ele em El Indio e viveu de perto o assédio dos bandidos que nas zonas rurais se opunham à Revolução. E algo muito importante: conheceu assessores soviéticos de mecanização agrícola.

“Naquela época tudo o que cheirava a soviético era interessante. Eu conhecia o alfabeto russo e tinha uma motivação com essa língua”.

“Quando terminou a Campanha publicaram, no final de ano, um tablóide no qual saíram maravilhas, carreiras de todo tipo, de toda classe. Esse foi o gênio de Fidel. Se em meio daqueles anos de uma tremenda luta de classes interna com invasão e tudo, a Revolução tinha sido capaz de mobilizar uns 100 mil jovens, não podíamos ir para a casa ou ficar na rua a mercê do que estava acontecendo”.

“Essa juventude havia que mantê-la e então aí é onde surgiu o famoso plano de bolsas. Vi: ‘Escola para professores de idioma russo. Dois anos, 119 pesos’ e disse: ‘Esta é minha vez’”.

Livros sobre a Epopeia
Já com a experiência de 70 anos vividos, Miguel Ángel tem dois volumes inéditos sobre seus dias de alfabetizador. Um deles foi premiado no concurso organizado pelo Museu da Revolução, por ocasião do 50º aniversário da Campanha de Alfabetização.

Durante nossa conversa relembra as palavras de Fidel aos jovens que partiram a serem professores, nas mais difíceis condições, incluídas no livro Tiempo de crecer:

“Quando vocês retornem satisfeitos do dever cumprido, orgulhosos para toda a vida do que fizeram, serão mais homens e mais mulheres.”

Assim ficou este homem que hoje tem o cabelo cinzento, marcado por uma experiência que o converteu em melhor ser humano e que o ajudou a perder o medo perante o chamamento da pátria.

Do Granma

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